Bem, vivo as voltas com o tema "
Migração para Software Livre", principalmente devido ao processo que realizamos na Câmara de Timóteo. É um tema que me fascina, e que preciso estar sempre atualizado, pois apesar de estar em uma posição quase confortável, ainda não tenho o processo dado por acabado.
Para quem conhece o caso e vê de fora acha que fizemos uma loucura e migramos em apenas um mês, em fevereiro de 2006, mas o caso é mais antigo, começou a muito mais tempo, e ainda não acabou.
Então vamos tentar levantar algumas conclusões após 7 anos de um longo processo. O texto abaixo é sobre um caso em particular, não sendo necessariamente um roteiro a ser seguido em outros lugares, mas ao menos serve de exemplo.
Apenas para posicionamento vamos resumir qual era a situação na época (as datas não são exatas, sou ruim com datas, mas é bem próximo):
- No final de 1999 havíamos migrado de um ambiente Unix (servidor X terminais burros), devido ao bug do milênio, para um ambiente de microinformática ligados em rede ponto-a-ponto, usando windows.
- O setor de informática possuía apenas 1 único funcionário, e o número de PC's crescia rapidamente (começamos em 1999 com 2, chegando a uns 20 já no final de 2000, e hoje o número roda na casa dos 80).
- Dada a mudança tínhamos equipamentos melhores, um sistema mais moderno (o Unix que usávamos era de 1989, e apesar de nunca travar, não dar problemas, ainda era apresentado em terminais de fósforo verde), mas o ambiente era muito precário, e devido aos poucos recursos financeiros ainda usávamos muitos softwares ilegais.
- Em 2001, sentimos a necessidade de melhorar a estrutura:
- Precisávamos distribuir internet na rede.
- Fazer backup dos dados dos funcionários de forma centralizada (lembrem-se... apenas um funcionário)
- Permitir que os funcionários tivessem acesso aos seus dados de qualquer equipamento
- A escolha natural de quem sempre trabalhou com Unix era ir para o Linux, mas as estações ainda não eram amigáveis para o usuário final, que já se acostumava ao windows, e não conhecíamos ninguém que usava (ter pessoas que conheçam por perto é importante, afinal em um problema é sempre bom ter a quem recorrer).
- Optou-se por fazer toda a rede com windows 2000 (server X desktop), pensando que a homogeneidade diminuiria o serviço.
- E assim foi feito. Uma rede homogênea, todos os drives de disquete travados, e internet (discada) liberada de forma precária, mas funcionando, com um PC comum fazendo o trabalho de servidor, apenas com adição de mais memória, e de um disco rígido maior (lembrem-se que não existiam grandes somas disponíveis).
Bem, se tudo ia funcionando porque migrar para Linux?
- No servidor foi fácil. Com pouquíssimo tempo da migração tivemos dois grandes problemas:
- 1o) Após uma queda de energia, e ao religar o "servidor" me deparo com uma BSOD o que me levou a uma formatação e configuração do sistema, que me tomou algum tempo precioso.
- 2o) As solicitações de maior liberdade no uso das estações (liberando os drives de disquete), e da internet estar liberada para todos, com poucos controles fez com que toda a rede fosse atacada por um vírus, daqueles que fizeram grandes estragos pelo mundo afora.
- Dois problemas com soluções complicadas em um curto espaço de tempo, e a liberdade de ação dentro do Setor de Informática me fizeram instalar Linux nos servidores (na época Conectiva Linux), até porque era totalmente transparente aos usuários.
- E nas estações? Bem, a partir do momento em que foi migrado o servidor a semente estava plantada, e as estações entraram naturalmente na fila para a migração, mas porque migrá-las? Quais as vantagens usar como justificativa?
- Custos, claro que são eles. Todos podem dizer que não, que são as qualidades que vem em primeiro lugar, mas qual a melhor maneira de justificar a um administrador (que muitas vezes se preocupa menos com a informática - meio - e mais com os lucros - fins) a migrar senão começar por falar das economias que ele terá?
- Estabilidade.
- Segurança.
- Menor retrabalho. Na época mesmo usando anti-vírus nas estações, e atualizando uma a uma toda semana ainda tinha muitos problemas com vírus localizados, que muitas vezes acabavam levando a reinstalação do sistema/aplicativos, configuração, atualização dos softwares, e dos antivírus.
Bem, em linhas gerais foi assim que começou o processo. Mas uma vez que decidimos migrar existem coisa a fazer, usuários a "enfrentar", e convencer, pois ninguém sai de uma situação de conforto (usar um software que conhece) para usar algo novo sem chorar, reclamar, e espernear muito. Algumas vezes até sem muita razão, como:
- usuários reclamando que não sabia onde deveria digitar a URL no firefox... Já imaginou?
- que não podiam mais instalar seus softwares, mesmo sem falar qual eram estes softwares...
- etc
Este tipo de reclamação é algo sem pensar, simplesmente não querem a mudança e reclamam de tudo e por tudo, sem se preocupar se tem razão ou não, mas quem aqui fica confortável nas mudanças? O que cabe é ter paciência, e perseverança, pois o trabalho é grande, no início não é fácil, mas no final compensa.
Como funcionário de uma Casa Legislativa eu tive apoio, não vou negar, tenho acesso a uma comunidade que vive o mesmo que eu, vi outras casas legislativas migrarem junto comigo, algumas antes, muitas depois. Graças ao
Interlegis(*), seus funcionários e a comunidade de casas legislativas que gira em torno deles (
GITEC), tive a escolha da primeira distro para desktop facilitada, tive acesso a bons softwares (pensados e concebidos sob os preceitos do SL), tive apoio nas dúvidas, tive a certeza que não estava sozinho, estava no caminho certo, e tinha onde me apoiar.
Bem, após o caminho que já foi trilhado até aqui foram tiradas algumas conclusões, e na verdade foram elas que motivaram este texto. Vou tentar relatar o caminho que seguimos, o que penso que deva ser feito mesmo antes da migração em si buscando diminuir/minimizar os traumas e ajudar no processo.
- O início:
- Principal: Tenha certeza que terá apoio total/absoluto/irrestrito da chefia. Se não tem melhor ir com muita calma.
- É importante que ela saiba que existirão muitas reclamações, e que em toda mudança há problemas, e os acertos são inevitáveis até que chegue a maturação.
- É super importante que todos saibam que não poderá ter retrocesso, pois caso ocorra em apenas um único caso todos os outros se acharam no direito de também retroceder. Então pensem cada caso, analise todas as variáveis com cuidado, e saiba onde cabe, e onde não cabe migrar.
- É importante ter um cronograma, não necessariamente com datas, mas com passos a seguir.
- É importante também que a chefia esteja a par de todo o cronograma, das ações que estão sendo feitas, dos próximos passos, e das ações já tomadas e dos resultados obtidos.
- Determine as normas que nortearão as mudanças.
- Quais softwares são necessários para o desempenho do trabalho por parte dos funcionários.
- Quais destes software impedem a migração.
- Que situações a migração é viável, e em quais não (mais importante).
- As normas devem ser únicas, da chefia até o funcionário de menor poder de decisão.
- Envolva toda a empresa na mudança, explique aos usuários do que esta por vir. Informe as vantagens que terão, e também dos problemas que iram passar no início (na informática os problemas no início costumam ser inevitáveis). Jogue Limpo!
- Comece por você. Tire os outros sistemas da sua máquina, passe a usar apenas Linux.
- Estude cada caso. Não tente migrar PC's onde não se pode fazê-lo (uso de autocad, corel draw, macros, sistemas legados, etc). Voltar um PC para windows por um erro de avaliação é uma ação que pode te dar dor de cabeça.
- Inicie a migração entao:
- Instale Firefox e Open Office nos PC's ainda com windows (esconda qualquer forma de se achar o internet explorer/office). Estes com certeza deveram ser os softwares mais usados pela maioria.
- Na pior das hipóteses migre para Firefox/OpenOffice os PC's (ainda com windows) com problemas de vírus/malware (e etc) que costumam afetar o funcionamento do IE, do Office, tornando-os praticamente inúteis. Com isto você apresenta uma solução rápida, segura, ao usuário.
- Sempre existem aqueles usuários que aceitam a mudança de cara, identifique-os e faça a mudança já, eles são importantes.
- Disponibilize alguns PC's (com Linux) para uso do pessoal com interface alterada (na época do início da mudança aqui, ainda usavamos o Conectiva 10) e não informe a ninguém que ali tem um Linux rodando. Após o uso pergunte ao usuário o que achou, e só então informe que ele não usou o windows.
- Quando for realizar a mudança faça ela o mais rápido possível em todas as máquinas.
- Crie um documentos com diferenças básicas do windows/Linux que auxilie o usuário nos momentos de dificuldade (O menu Iniciar do windows é aqui, no Ubuntu é aqui.... No windows acessasse disquetes assim, no Linux assim... O Windows Explorer do Linux chama-se Nautilus e é encontrado em Locais, No windows existe a pasta Meus Documentos, no Linux o usuário tem sua HOME.... e etc).
- Procure definir perfis para os usuários, de forma a tratá-los em grandes grupos, facilitando o tipo de suporter/treinamento, e etc.
- Pessoalmente acho que não existe necessidade de treinamento para usar o OpenOffice, principalmente para aqueles usuários que já conhecem o MS Office, mas o usuário não pensa assim, e durante a migração ele esta ainda mais inseguro. Além do OpenOffice existe também o próprio Linux, o Firefox, e outros softwares que serão novidade aos usuários, então procure um treinamento básico, apenas para apresentar o sistema a eles, de forma a deixá-los mais confortáveis. Com o treinamento o usuário sente-se apto a usar o sistema, e terá menos resistência a ele.
- Pegue os usuários que mais se destacaram no treinamento e convide-os a ser Multiplicadores da idéia. Além de ter pessoas que podem dar apoio a outros usuários, facilitando sua vida, terá outros envolvidos no processo, que normalmente tendem a defender a idéia.
- Procure uma boa distribuição. Não pense apenas naquelas que já vem com softwares "legais", prontas para tocar suas músicas em mp3. Tenha em mente que é para migrar uma empresa/instituição, então procure alguma distribução confiável, que não será descontinuada, te deixando na mão, e também aquela com bom suporte, um bom fórum, uma comunidade com bom número de usuários, isto é uma segurança que encontrará apoio ao encontrar problemas, e não estará sozinho.
- Configure a instalação muito bem (coloque codecs, papeis de parede, softwares de interesse do usuário, alguns add-ons interessantes para o firefox), coloque mais de um browser (existem problemas de compatibilidade com sites, e normalmente ter mais de um browser resolve), tente tirar o máximo de agilidade do PC, e faça exatamente o mesmo para todos, criando uma "distribuição padrão da empresa".
- Trabalhe muito, atenda aos usuários o mais rapidamente possível.
- Aqui buscamos melhorar os serviços da rede sempre. Sempre buscamos novos recursos como login centralizado, acesso aos arquivos da rede de forma transparente, independente do PC em que sentar; intranet, bate-papo entre funcionários, afim de agilizar serviços e discussões e etc.
- A cada novo serviço fazemos uma apresentação geral, informando o porque dele, quais vantagens ele trará, e claro apresentamos os possíveis custos caso fosse feito em um ambiente proprietário.
- Faça também reuniões de tempos em tempos, mesmo sem ter um novo serviço a apresentar, apenas para mostrar vantagens do uso do SL. Em Timóteo fizemos reuniões periódicas informando do andamento dos trabalhos como:
- 6 Meses da Mudança: Reconhecimento da Comunidade
- 1 Ano de Migração: 1 ano sem antivírus, e 1 ano sem infecção (tratamos também da economia gerada neste período).
- Buscamos em algumas dessas reuniões abrir espaço para pessoas sem ligação com a Câmara para falar sobre o serviço que fazem em suas empresas baseados em software livre, ou que prestam a outras empresas usando-o, de forma a mostrar que o caminho não esta sendo trilhado sozinho. Inclusive convidando pessoas de fora apenas para ver a apresentação, de forma a mostrar para a comunidade que o software livre é viável, que nós usamos, temos sucesso com ele, e estamos abertos a ajudar.
- Toda vez que os noticiários mostram pragas virtuais trazendo problemas/prejuízos mundo afora fazemos apresentação, ou então distribuímos um informativo sobre o caso (se possível com vítimas locais), e como não tivemos problemas.
Bem, de um modo geral é isto, no mais use sempre o bom senso, seja perseverante, não se curve às críticas, mas ouça-as, e veja se pode melhorar em algo, e tenha fé que terá bons resultados a colher.
[]'s
Cristiano